Lojas Americanas e a Inclusão de PCDs

Assédio moral, humilhações constantes e tarefas inadequadas para as condições dos trabalhadores. O Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com um processo de R$ 11,3 milhões contra as Lojas Americanas por assédio moral e discriminação a pessoas com deficiência (PCDs) em uma unidade de Barueri, na região metropolitana de São Paulo.

As práticas mostram as consequências da falta de uma política adequada de inclusão e de diversidade, segundo especialista ouvida pela revista EXAME. Na ação, testemunhas contam que colegas e superiores hierárquicos os obrigavam a realizar tarefas não condizentes com sua situação e os assediavam moralmente. Uma das testemunhas afirmou que ele e outros PCDs não conseguiam realizar certas tarefas que eram impostas pelos superiores, por limitações físicas. Ao invés de serem mudados de função, eram chamados de “preguiçosos” por chefes e alguns viam as cobranças aumentarem ainda mais.

Outro trabalhador, que tinha surdez, contou que era comum que supervisores e colegas de trabalho gritassem com sarcasmo: “você é surdo? Não ouve não?”. Segundo a testemunha, esse tipo de assédio moral ocorreu com mais dois colegas com outras deficiências, constantemente. 

A empresa também teve casos de trabalhadores que foram colocados em funções diferentes daquelas para as quais haviam sido contratados, como forma de discriminação. Um deles, sem treinamento para a função e com deficiência nas pernas, tinha que descer plataformas de descarga sem a ajuda de escadas, o que acabou causando o agravamento de suas dores por telefone.

Os relatos foram recebidos pelo MPT de 2016 a 2018. Para a procuradora do Trabalho Damaris Salvioni, representante do MPT na ação, o assédio moral era organizacional, e não um fato isolado, e o objetivo seria fazer com que os trabalhadores pedissem demissão.

Diante dos diversos testemunhos, em 2018 o MPT ofereceu às Lojas Americanas um acordo (Termo de Ajustamento de Conduta – TAC) por meio do qual ela se comprometeria a evitar e refrear o assédio moral na organização. Entretanto, a empresa se recusou a assinar o documento.

Procurada por EXAME, a empresa afirmou que “ainda não foi notificada sobre a ação judicial em questão”. “A companhia afirma que o respeito entre seus associados está na base de sua cultura, e que repudia e pune com rigor qualquer prática de assédio moral, conforme disposto também em seu código de ética”, escreveu em nota.

Legislação e cultura

O caso mostra que, mesmo depois de quase 30 anos da Lei de Cotas para Pessoas Com Deficiência, muitas empresas ainda não incorporaram a inclusão em seus valores e cultura.

A lei determina que empresas com mais de 100 funcionários preencham uma parcela do quadro de funcionários com PCDs, de 2% a 5%. Segundo Ivone Santana, diretora executiva do Instituto Modo Parités, o Brasil tem uma das legislações mais avançadas em termos de inclusão de PCD. A Lei de Cotas começou a ser fiscalizada nos anos 2000, o que foi fundamental para que as empresas se mobilizem e estruturem bons programas, diz ela.

No entanto, cerca de metade dessas vagas não são preenchidas, por preconceito e desconhecimento de alguns gestores. “Esse caso da Lojas Americanas é um exemplo triste, mas recorrente, do que acontece quando uma empresa não incorpora valores de inclusão em sua cultura”, afirma Santana. 

“A nossa sociedade foi baseada em segregações por muito tempo, de raça, mulheres, pessoas LGBT e pessoas com deficiência. Até pouco tempo atrás, piadas com negros ou mulheres eram vistas como engraçadas. Até hoje tem empresa que não tem banheiro para mulheres. Muita coisa mudou, mas ainda existe um desconhecimento gigantesco de como implementar a inclusão acessibilidade”, explica a especialista.

Ou seja, não adianta simplesmente contratar PCDs, sem uma política adequada de inclusão. Para conversar com uma pessoa surda, por exemplo, é necessário estar de frente a ela, sem dar as costas. No caso de pessoas com mobilidade reduzida, o espaço de trabalho precisa ser acessível fisicamente. 

Não é uma tarefa simples, já que as deficiências podem ser físicas, intelectuais, visuais e auditivas, com uma pluralidade muito grande. Mas não é um problema sem solução. “Quando as empresas estão dispostas a aprender, a cultura muda”, diz Santana. “Temos visto transformações incríveis nas empresas. Às vezes começa em um setor e se espalha por toda a empresa. Mexe até no conceito de meritocracia, que era um consenso e está sendo revisto.

Além da questão moral, a inclusão também impulsiona os lucros da empresa. PCDs e suas famílias consomem cerca de 8 trilhões de dólares em todo mundo por ano. Além disso, a inclusão torna o ambiente mais diverso e agradável. 

“Quando as pessoas podem ser quem são numa empresa, o ambiente fica melhor, aumenta a eficiência dos funcionários e diminui o turnover. Isso se traduz no balanço das empresas também”, afirma. “As empresas que não olharem para a diversidade, não só com a inclusão de PCDs, mas de gênero, orientação sexual e de raça, não serão sustentáveis no longo prazo”, diz.

Notícias da Semana

A Língua de Sinais bombou na web na última semana de agosto, e virou notícia em todo o Brasil. Vamos a alguns fatos inclusivos da região norte e nordeste do país?

No Acre, a Secretaria de Educação, Cultura e Esportes (SEE), por meio do Centro de Atendimento ao Surdo (CAS) disponibiliza um serviço essencial a todos os surdos. Trata-se da Central de Interpretação de Libras (CIL), que realiza os mais diversos atendimentos.

A partir dela, o surdo pode agendar atendimento nos mais diversos órgãos públicos, como o Detran, audiências judiciais, consultórios médicos, matrícula nas escolas das redes estadual e municipais de ensino e até mesmo entrevistas de emprego. “Desde que o serviço seja público e gratuito pode ser agendado”, explica a coordenadora do CAS, Joana D’Arc Nascimento.

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Em Araguaína/TO, funcionários da área da saúde, compõem a nova turma do curso gratuito de Língua Brasileira de Sinais (Libras) oferecido pela Central de Interpretação de Libras (CIL). O curso acontece até o dia 25 de setembro, com aulas ministradas todas as quartas-feiras, na Secretaria Municipal da Assistência Social.

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O Instituto Federal de Sergipe (IFS) promove, no dia 16 de setembro, o 2º Encontro de Libras, dentro da programação da 7ª Semana Aracaju Acessível, idealizada pelo vereador Lucas Aribé. Segundo a proposta do tema “A Arte de Incluir”, o evento abordará o universo do surdo e sua relação com a cultura, o esporte, o turismo e o lazer, à luz do Capítulo IX da Lei Brasileira da Inclusão.

A programação inclui palestras, rodas de conversa e debates que visam ressaltar a importância da acessibilidade e inclusão em todas as áreas da sociedade. Serão palestrantes do Encontro de Libras o diretor-presidente do Centro de Surdos de Aracaju (Cesaju), Pablo Ramon Lima de Barros, e o professor substituto da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Geraldo Ferreira Filho.

O público-alvo do evento, que é gratuito, são surdos e ouvintes usuários de Libras, além de estudantes e outros interessados na Língua Brasileira de Sinais. As inscrições podem ser feitas no site do IFS.

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Semana Aracaju Acessível: Encontro de Libras vai discutir papel do surdo na sociedade

Registros nas Mídias

Ninguém sabe o que você ouve, mas todo mundo ouve muito bem o que você fala.

Millor Fernandes

De maio pra cá, recebi dois convites maravilhosos de dois veículos de imprensa, que me enviaram perguntas num bate papo super divertido e emocionante, onde puder compartilhar fatos marcantes sobre minha surdez e criação do Blog. Ainda não tinha dito aqui, e hoje é dia de registrar e divulgar para todos vocês.

1 – Euariz. com

2 – Revista Ludovica – Jornal O Popular/ Grupo Jaime Câmara

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Ver é ouvir!

     Imagine-se num país estrangeiro, numa sala de vidro, à prova de som. Você nunca ouviu a língua falada local. Todos os dias, as pessoas do lugar vêm até você e tentam falar-lhe através do vidro. Você não consegue ouvir o que falam. Apenas vê o movimento dos seus lábios.
     Percebendo que você não as compreende, elas escrevem aquelas mesmas palavras num papel e lhe mostram através do vidro o que escreveram. Eles acham que você devia poder entender o que está escrito.
     Como acha que se sairia? Para você a comunicação seria, a bem dizer, impossível nessa situação. Por quê? Porque o que está escrito representa uma língua que você nunca ouviu. Essa é exatamente a situação da maioria dos surdos.

      Há muitos conceitos equivocados a respeito dos surdos e da língua de sinais. Vamos esclarecer alguns deles. Surdos podem dirigir automóveis. A leitura labial pode ser muito difícil para eles. A língua de sinais não tem nada em comum com o braile, e não é simples mímica. Não existe uma língua de sinais universal. Além disso, os surdos têm diferentes “sotaques” de uma região para outra.
      Os surdos conseguem ler? Embora alguns leiam bem, a vasta maioria dos surdos acha difícil ler. Por quê? Porque a página impressa origina-se de uma língua falada. Considere como uma criança com a capacidade de ouvir aprende uma língua. Desde o momento que nasce, ela está rodeada de pessoas que falam a língua local. Ela logo consegue combinar palavras e formar sentenças. Isso acontece naturalmente apenas por ouvir a língua falada.     
      Assim, quando crianças ouvintes começam a ler, é apenas uma questão de aprender que os símbolos negros na página correspondem a sons e palavras que elas já conhecem.

A língua de sinais é o meio de comunicação ideal para os surdos. A pessoa usa sinais para definir elementos no espaço ao redor de seu corpo. Seus movimentos nesse espaço e suas expressões faciais seguem as regras gramaticais da língua de sinais. Surge assim uma língua visual que possibilita transmitir informações aos olhos.
      De fato, quase todo movimento que um surdo faz com as mãos, o corpo e a face enquanto sinaliza tem significado. As expressões faciais não são feitas apenas para causar impacto dramático. São parte importante da gramática da língua de sinais. Para ilustrar: Uma pergunta feita com as sobrancelhas levantadas pode indicar tanto uma pergunta retórica como uma que exija sim ou não como resposta. As sobrancelhas abaixadas podem indicar perguntas, tais como: quem?, o quê?, onde?, quando?, por quê? ou como?. Certos movimentos da boca podem sugerir o tamanho de um objeto ou a intensidade de uma ação.     
     O modo como um surdo movimenta a cabeça, ergue os ombros, contrai as bochechas e pisca os olhos acrescenta sentido à idéia que está sendo transmitida.
Esses elementos se combinam para criar um banquete visual para os olhos. Com essa rica forma de expressão, os surdos que conhecem bem a língua de sinais estão equipados para transmitir qualquer conceito — do poético ao técnico, do romântico ao humorístico, do concreto ao abstrato.


Fonte: Biblioteca OnLine da Associação Torre de Vigia, artigo: w09 15/8 pp. 24-27.