Surdo constroi próteses de braço com sucatas

Foi no dia, 5 de setembro de 2012, que a vida de José Arivelton Ribeiro de Fortaleza, nunca mais foi a mesma. Com a energia da lojinha de eletrônicos da família, cortada por falta de pagamento, e ninguém sabia quando a luz iria voltar, Arivelton decidiu retirar a antena de TV da loja para usá-la em casa.

Pendurou-se na janela, no segundo andar, e cometeu um erro quase fatal. Por descuido, a antena tocou um fio de alta tensão. A descarga de 18 mil volts arremessou Arivelton para dentro da sala, e chegou a derrubar a iluminação dos postes da região.

O choque feriu o pescoço e a língua de Arivelton, e também comprometeu o braço direito, que precisou ser amputado na altura do antebraço. Seria mais um obstáculo na vida desse cearense de 48 anos, que nasceu surdo e não aprendeu a falar. Mas rendeu uma bela história de dedicação.

Ari, como é conhecido, passa boa parte do dia  numa oficina de quintal. Em meio a peças recolhidas em depósitos e na cozinha da mãe, colocou na cabeça: irá construir a prótese mais barata existente, para devolver movimentos a si e a qualquer amputado como ele.

 

Em pouco tempo, ele produziu duas próteses do braço direito, uma mecânica e outra elétrica, e já trabalha na terceira, que deseja ser computadorizada. “Meu sonho é ajudar as pessoas”, diz Ari à BBC Brasil, sempre com ajuda da mãe na tradução.

O inventor autodidata, que se comunica por meio de sinais com a mão remanescente, construiu as próteses com peças descartáveis e partes de utensílios domésticos.

Sua primeira criação tem o antebraço em cano de PVC e tampa de panela; o punho é um bico de secador de cabelo; os dedos são canos de alumínio, acionados por elásticos de prender dinheiro; e a palma da mão exibe uma borracha, para garantir aderência ao segurar objetos.

Bastou um mês de trabalho, ainda no ano do acidente. Ao todo, Ari investiu R$ 400, até 20 vezes menos do que uma prótese similar no mercado. A inspiração veio em vídeos na internet. O braço, porém, não é fixo, como a maioria das próteses mecânicas.

O punho é flexível e ele aciona os dedos com movimentos no ombro esquerdo. Era a independência que o inventor buscava.

Cotidiano

Com o mesmo braço que sempre usou, Ari agora corta pão, pega copos e até dirige seu carro. E não se trata de um veículo automático, mas um Fusca com câmbio daqueles que pedem força para passar a marcha – com a mão direita, diga-se de passagem.

Mas o inventor não se dá por satisfeito. “No mesmo dia em que terminei a primeira prótese, já queria fazer uma mais moderna”, diz.

Na escala evolutiva das próteses de braços, o degrau seguinte de uma mecânica é a elétrica. Nela, o movimento dos dedos é acionado por uma bateria, com comandos feitos com a outra mão ou por meio de eletrodos que captam os impulsos dos nervos na região da amputação.

 

O inventor leu sobre isso em tutoriais na internet e decidiu fazer sua prótese elétrica. Em oito meses, o dispositivo estava pronto. Bem mais moderno que o primeiro.

Novo invento

Ari construiu um braço que, com acionamento mecânico a partir do ombro, movimenta os dedos por corrente elétrica. A energia é enviada a partir de uma bateria de nobreak, através de um motorzinho de janela de carro.

O material da segunda criação é ainda mais rudimentar do que o da primeira. No antebraço há um copo de coquetel, tubo de extintor de incêndio e pedaços de panelas. Os dedos são correntes de bicicleta, ligados à mão por meio de colheres.

 

Agora, Ari está trabalhando em uma prótese semelhante à segunda, porém mais leve. Tanto a segunda quanto a terceira deverão custar menos de R$ 2 mil, até 15 vezes mais baratas do que uma convencional nesse patamar.

Para produzir suas invenções, Ari investe parte de sua aposentadoria por invalidez (R$ 880) e dos bicos que faz consertando TVs e computadores em casa. “Acho linda a força de vontade dele”, afirma a mãe.

A lojinha de eletrônicos, antigo sustento da família, foi vendida no dia do acidente. O trauma foi grande para todos, e emociona os parentes até hoje.

Uma quase tragédia

Aquele final da tarde de setembro de 2012, data que a família não esquece, sumiu da memória de Ari. “Eu apaguei. Não me lembro de nada.”

Sorte que ele estava acompanhado da mãe, técnica de enfermagem. “Fiz massagem cardíaca e respiração, então o coração voltou a bater”, relembra Socorro.

“Com poucos dias, a mão começou a necrosar, então meu irmão chamou os médicos e pediu a amputação no antebraço, onde ficou um machucado em forma de anel, para não correr o risco de perder o braço inteiro”, relata o irmão Rusivelton.

O cearense nasceu com perda total da audição, limitação constatada quando ainda era bebê. Ao longo da infância e da juventude, aulas de Libras (Língua Brasileira de Sinais), no Instituto Cearense de Educação de Surdos, minimizaram dificuldades de comunicação com os pais e os irmãos.

Os pais de Ari se separaram pouco antes do acidente – hoje Auri mora em Fortim, a 135 km de Fortaleza. Socorro se divide com a neta, e também com o filho Rusivelton, no suporte ao filho mais velho. Essa atenção é importante, sobretudo para “controlar” o ímpeto criativo de Ari.

“Dia desses, ele viu em um vídeo um cientista tentando fazer um motor de carro funcionar com água. Ele quis fazer o mesmo, só que deu uma explosão danada em casa. Minha mãe me ligou desesperada, para convencê-lo a parar com essas coisas”, diz o irmão.

Ari volta e meia se acidenta – já cortou a mão esquerda com seus equipamentos. “Quando bota uma coisa na cabeça, meu pai às vezes fica obcecado. Então a gente tem de estar sempre de olho, para colocar um freio”, confidencia Sara.

Sua história de vida sensibilizou o dono de uma empresa de próteses de Sorocaba (SP). Dele, Ari ganhou duas próteses elétricas, de R$ 15 mil e R$ 30 mil, além de R$ 10 mil para investir em seu trabalho. Com os presentes, Ari conseguiu renovar a carteira de motorista, já que a legislação de trânsito não permite a um amputado dirigir com prótese sem avaliação de segurança. Agora, não há mais o risco de ser parado em alguma blitz.

Hoje ele se divide entre uma das próteses que recebeu e a primeira que produziu, dependendo da necessidade. Isso porque uma das próteses que recebeu, apesar de mais moderna, não tem mobilidade no punho.

Quando uma das peças doadas deu problema, o inventor não teve dificuldade para abri-la e consertá-la. Em casa, Ari é considerado o “gênio” da família – avaliação compartilhada até por especialistas.

Futuro

A reportagem da BBC Brasil apresentou Ari aos donos de uma empresa de próteses de Fortaleza. Os irmãos Roberto e Carlos Henrique Enéas ficaram impressionados ao conhecer os inventos.

– “Esperava ver algo muito mais simples. É incrível que algo assim seja feito numa oficina”, diz Roberto, fisioterapeuta e protético, de 34 anos.

Embora haja cursos técnicos, que capacitam profissionais de saúde para atuar no ramo. Não existe um curso superior no Brasil que ensine a produzir próteses de membros superiores ou inferiores.

Fonte (Textos e Imagens):  Último Segundo (Site IG)G1BBC Brasil.

Edição: Blog dos Pernés