Velhos hábito – Luís A. Delgado


De vez em quando alguém manda a gente sair do automático. E aí é normal achar que mudar um hábito ou outro, que dar uma relaxada ou sair de uma atividade específica vai resolver tudo. Relaxamento sempre é bem-vindo, no entanto a questão é mais profunda do que a gente desconfia. Pode parecer até uma bobeira, nada muito sério; afinal, quem não tem hábitos?

Hábitos – Imagem: Reprodução

O que acontece é que por trás de toda essa vida automática pode estar a nossa fuga. Não apenas a fuga dos nossos problemas, porém também do nosso poder de nos desapegarmos deles. Isso mesmo, por pior que possa parecer, muitas vezes estamos agarrados ao sofrimento e achamos essa condição aceitável. Portanto, é preciso entender esses mecanismos da mente, como ela age e a nossa própria confusão quanto ao seu papel na nossa vida.

Os hábitos que não questionamos

            Somos todos cheios de hábitos. E você se assustaria se um dia pudesse ter em mãos a relação de todos eles e talvez a pouca, ou nenhuma, praticidade de ainda possuir vários com a vida que você leva hoje em dia. Isso porque temos muitos afazeres e objetivos que nos fazem ter de escolher entre enxergar a nossa existência e focar em muitas conquistas a que nos propusemos. E quanto a isso também há muitas ações no automático. Você não percebe, mas os próprios métodos que você usa para alcançar o que deseja e mesmo as coisas que deseja podem não ter sido questionados. Então não são apenas os hábitos, mas os caminhos para os quais eles apontam, as suas consequências. Alguns herdados, outros empurrados por grandes campanhas, tendências locais, da idade… Quanto mais você avança, mais perde de vista onde tudo começou, onde você deixou de ser espontâneo e começou a existir, a funcionar, como uma máquina.

Enxergando a situação

            Tudo isso mostra o quanto levamos vidas profundamente mentais; agarrados ao que pensamos, como se o pensamento fosse a única forma de viver, de conhecer a realidade. Às vezes é necessário um grande choque, uma emoção fortíssima, que faça o coração e os costumes saltarem, para que você desperte. Talvez essa ideia até justifique a expressão “despertar da consciência”. Muita gente passa por isso sentindo a vida como que murchar, notam a perda de sentido, vão notando a rotina como se a vida fosse apenas uma grande repetição sem fundamento, sem gosto, sem liberdade alguma. Nem sempre o insight, ou a consciência, vem através da Meditação, esse seria um caminho inteligente para isso, porém nem todos o conhecem, ou mesmo atentam para isso. É comum que muita gente enxergue onde se meteu através da dor que sente, mas até nesse momento pode-se voltar para a prática da Meditação, até porque, nesse estágio, depois de prováveis anos numa vida mecânica, a mente já esteja tão condicionada que não aceitará outra forma, outro caminho. Aqui uma grande ilusão pode acontecer…

A ilusão da troca

            É natural, afinal, até o instante em que essa experiência acontece, você sempre tentou as coisas do mesmo jeito. Muito embora o objeto tenha sido substituído, atualizado, lá na base do seu jeito de ver a vida estão os mesmos padrões. Só o constante aumento da clareza mental, a expansão da consciência, fará chegar até lá. Antes disso, é preciso estar atento, pois entediado, frustrado, a mente pode se voltar para um assunto novo, algo que seja interessante; quando então abaixamos as nossas “defesas” e ela entra em cena, debruçando-se do mesmo jeito sobre a novidade, ela tentará um novo caminho, no entanto andando da mesma forma que sempre fez. É aí que se perde tempo, até a angústia retornar. Portanto, meditar ajuda justamente nesse sentido: não se trata de resolver problemas, porém de enxergar a nossa relação com o lugar de onde eles vêm; ou seja, da nossa mente e de como ela traduz a realidade ao comando do nosso Ego. Esse apego com o Eu deve ser visto. Não se trata de negar a mente, isso seria impossível e uma perda de tempo. Temos de resgatar os olhos da consciência, aceitando a nossa estrutura, caminhando em direção ao que é desconhecido dentro de nós. Pois os conteúdos mais inconscientes guardam a chave de um verdadeiro recomeço. Livre, a mente pode cumprir seu trabalho com correção, e o coração tomará seu verdadeiro lugar. Talvez, aí, a realidade se apresente como é verdadeiramente, e não como um obstáculo, um adversário, ou um problema a ser resolvido.

            Então, tome cuidado com objetivos infindáveis que vão acumulando-se uns sobre os outros. Dedique um tempo a observar, sem julgamento, os seus motivos, os seus hábitos e o seu próprio jeito de realizar, de alcançar o que busca. Você vai ficar espantado, mas a consciência, muitas vezes, simplesmente por se voltar para um objeto pode reorientá-lo, trazendo uma clareza tal que o que é real para o nosso coração, mesmo que esquecido e abandonado, vem à tona.

Sobre o autor: 

*Luís A. Delgado foi ganhador do prêmio “Personalidade 2015” na categoria Arte Literária pela Academia de Artes de Cabo Frio-RJ – ARTPOP, e agraciado com o prêmio Clarice Lispector de Literatura na categoria “Melhores Romancistas” pela Editora Comunicação em 2015. Atualmente é sócio correspondente na Associação dos Diplomados da Academia Brasileira de Letras e Mestre em Reiki e Karuna Reiki, possuindo o mais alto título que um profissional do Reiki possa ter.


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