Diário do Perné – 010: E se tratassemos os ouvintes, como tratamos os surdos.

Todos os dias é uma luta para os surdos, que vivem se impondo, e cobrando acessibilidade e inclusão no local de trabalho. E estou passando por algo no meu, e tem sido dificil, e acredito que muitos e muitos outros surdos também estão neste momento passando pelo mesmo.

Mas para começar vamos imaginar dois cenários:

No seu local de trabalho talvez não tenha nenhum surdo, mas com certeza tem ouvintes, correto? O que vocês achariam de termos uma palestra com um tema muito importante para a empresa, e no grande dia da palestra, ser anunciado um famoso palestrante surdo, que não fala usando a voz, apenas a Libras – língua brasileira de sinais.

Qual seria a sua opinião, bem como a de os todos os presentes ao saber que não haveria tradução para o português, mas “felizmente”, todo o material da apresentação será distribuido para a leitura de todos os presentes? Será que você e seus colegas receberiam com alegria esse material, e assistiria com a mesma animação caso o palestrante fosse ouvinte? Pode isso? Talvez você e seus e colegas respondam que não, e acrescente que deveria ter ou um palestrante ouvinte, ou caso o palestrante seja surdo, que haja um tradutor da libras para português, e que um material por escrito para todos os ouvintes não seja tão interessante.

Agora vamos imaginar que existe um surdo no seu local de trabalho, e o mesmo não tem suporte auditivo para acompanhar confortavelmente uma reunião, curso ou palestra. Mas também não tem na sua empresa, um interprete de Libras para dar o suporte que o surdo precisa, então é decidido entregar o material para o surdo ler. Pode isso? Ouvi que sim, a poucas semanas, já que a empresa não tem ninguém que sabe Libras.

Surdez, o que é? Como prevenir? | Blog da Telemedicina Morsch
Surdos que não ouvem, e sem interpretes. Imagem: Reprodução

Entendem onde está o capacitismo? Para o que ainda não sabem, trata-se o nomear o preconceito e discriminação para pessoas com deficiência.

Por que é legal para o surdo ler algo num papel, que alguém ouvinte está falando, e a empresa não assegura seus direitos de acessibilidade ou de adaptações razoáveis? Outra: Por que um ouvinte acha que está tratando o surdo “igual” ao ouvinte se este surdo, nao recebe o conhecimento da mesma forma que o colega ouvinte recebe? Será que o surdo está satisfeito com o tratamento, de quem acha que está acessibilizando conhecimento, sendo que nem foi questionado se está legal, e/ou aceitável para o mesmo?

Ouvintes: incluam os surdos quando nas decisões de adaptações no seu local de trabalho! Acessibilidade é lei, não é favor, tratem-os surdos com o respeito que eles merecem.

Governo Lula e os 100 dias: O que mudou para as pessoas com deficiência?

“Desemprego e informalidade são maiores entre as pessoas com deficiência”. A manchete publicada em 21/09/2022 no site do IBGE traz a dimensão das desigualdades sociais no Brasil. E como estão hoje as oportunidades no mercado de trabalho para as pessoas com deficiência?

Diante dos 100 primeiros dias do novo governo, a ASID Brasil pesquisou quais os principais avanços políticos que deram visibilidade à causa da empregabilidade da pessoa com deficiência.

Reprodução: Farofeiros.com.br

Como principal avanço podemos destacar a aprovação do Senado da Lei 3.660/2021. Assim, os laudos que atestam deficiência permanente terão validade indeterminada. Apesar de algumas movimentações no cenário político para a implementação definitiva, já é um importante passo.

A nova lei visa facilitar a vida das pessoas com deficiência permanente. Isso pode trazer impactos muito positivos na empregabilidade, como menos burocracia ao longo da vida profissional e mais disponibilidade tanto de empresas quanto de candidatos diante de oportunidades profissionais.

Outro avanço foi a aprovação da Lei 2.634/2021 que permite que pessoas com deficiência auditiva tirem qualquer categoria de CNH. O direito à mobilidade garante a autonomia das pessoas com deficiência.

As leis aprovadas nesse primeiro trimestre revisam direitos básicos e incrementam novos itens, mas, ainda não transformam por completo camadas mais profundas da inclusão. Como, por exemplo,  vencer as barreiras como o capacitismo no mercado de trabalho? De que maneira é possível suprir as lacunas de políticas públicas e atitudes culturais da sociedade no eixo da empregabilidade que é um grande viabilizador de renda, autonomia e qualidade de vida para a pessoa com deficiência?

Segundo o Relatório Anual de Informações Anuais de 2018 (RAIS), as pessoas com deficiência são contratadas para cinco principais cargos : auxiliar de escritório, assistente administrativo, operador de linha de produção, faxineiro e repositor de mercadorias.

São profissões mais lineares, que, em sua maioria, não costumam oferecer um  plano de ascensão de carreira alinhadas com um plano de desenvolvimento individual, e que costumam não exigir qualificação educacional e profissional.  E aqui mora uma barreira: historicamente, a pessoa com deficiência tem menos acesso à educação superior – dados do Censo da Educação Básica do INEP apontam que 48,3% das pessoas de 20 a 22 anos de idade com deficiência concluíram o ensino médio, esse número aumenta para 71% quando falamos de pessoas sem deficiência, e ainda, 5% das pessoas com deficiência tem ensino superior completo.  Com isso, o ciclo de exclusão não se quebra: há dificuldade em recrutar pessoas com deficiência com alta qualificação educacional e profissional uma vez que há barreiras no acesso à educação desse público. Como solução mais fácil está a oferta de cargos com baixos requisitos, ao invés do investimento a longo prazo na educação e desenvolvimento.

O mundo está mudando e as profissões também. Por isso, é importante garantir que as pessoas tenham acesso a competências em alta no mercado de trabalho e a oportunidades de avançar profissionalmente. 

Em um país com aproximadamente 7,8 milhões de pessoas com deficiência na faixa etária de 18 a 59 anos (PNS,2019), o acesso à formação acessível e inclusiva ainda é baixo. Vale lembrar que das 46 milhões de pessoas em trabalho formal, apenas 495.784 são pessoas com deficiência ( dados da RAIS 2020).

As poucas oportunidades e investimentos para que a pessoa com deficiência lapidem as habilidades específicas refletem na pequena participação no mercado de trabalho, e na impossibilidade de competir por vagas mais disputadas e de maior protagonismo.

É urgente a adequação de formações profissionais adaptadas para a pessoa com deficiência e que possibilitem mais para frente uma inclusão concreta no mercado de trabalho, o fomento ao desenvolvimento de talentos ou ainda a aceleração de carreiras. A iniciativa privada tem um papel importante no processo de enfrentamento de desafios sociais e a aliança entre empresas e organizações sociais para disseminar metodologias sociais, deve ser pauta constante na agenda de lideranças de impacto. 

Exemplo disso é a solução “Jornada de Impacto” criada pela ASID Brasil. Essa solução age, em conjunto com a iniciativa privada, para que pessoas com deficiência tenham acesso a uma formação gratuita e acessível nas áreas e competências em alta do mercado de trabalho, além de facilitar a entrada no mercado de trabalho.

O propósito é criar uma trilha de inclusão: desenvolver pessoas com deficiência no âmbito técnico e comportamental para que acelerem suas carreiras e ocupem vagas mais concorridas. Paralelamente, a ASID também atua dentro da empresa incentivando a quebra de barreiras metodológicas e atitudinais para que haja disseminação de estratégias e ações de inclusão.

A partir dessa solução, a empresa passa a praticar a equidade de oportunidades para a pessoa com deficiência, criando oportunidades de impacto e fomentando atitudes de diversidade e inclusão. Uma aliança interessante para a lógica de mercado: equipe qualificada, produtiva junto com equidade e justiça social. 

Segundo Isabela Bonet, CEO da ASID Brasil, que atua há 10 anos com impacto social: “Uma empresa que internaliza a agenda de responsabilidade social, ESG e diretrizes do ODS, automaticamente assume o compromisso em se adaptar  e construir esse novo cenário da inclusão. A aliança com o terceiro setor para trabalhar demandas que têm intersecção nestes dois mundos passa a ser uma estratégia assertiva. Só teremos uma sociedade realmente inclusiva e a ocupação de cargos em todos os níveis hierárquicos por pessoas com deficiência, quando criarmos opções acessíveis de desenvolvimento visando também a absorção desses profissionais no mercado.”

Além dessa solução, a ASID ainda apoia a construção de uma cultura inclusiva nas empresas a partir de palestras, workshops, treinamentos, conteúdo e vivências inclusivas – tudo isso com a perspectiva da pessoa com deficiência. Contamos com um time de palestrantes com deficiência, que dividem suas vivências.

Nossos “Aliados da inclusão” trabalham temas como a exclusão socioeconômica das pessoas com deficiência, além  da escuta ativa e discussões sobre acessibilidade atitudinal e reflexões sobre a realidade da pessoa com deficiência no mercado.

Executando essas e outras soluções, esperamos criar bases sólidas para a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho gerando oportunidades de renda, de desenvolvimento e de sucesso profissional.

A política emite sinais ainda tímidos de que trabalhará em pautas referentes à qualidade de vida das pessoas com deficiência. Por exemplo, o Governo Federal revogou o Decreto 10.502, instituído pelo governo anterior, que direcionava crianças e adolescentes em escolas especializadas. Considerando o peso que a educação tem para a empregabilidade no futuro e por todos os pontos apontados anteriormente, fica-se no aguardo se haverá propostas que reforcem e garantam investimentos em oportunidades de educação de fato acessíveis e inclusivas, além da atenção qualificação profissional e oportunidades profissionais para pessoas com deficiência. 

As alianças de todos os setores da sociedade fortalecem as alianças na construção de um movimento de expansão da inclusão. Nós, da ASID Brasil, seguimos criando soluções, buscando aliados e desenvolvendo o potencial da pessoa com deficiência – criando novos caminhos para um Brasil mais unido e inclusivo. 

Artigo cocriado pela Equipe ASID Brasil 2023

Colaboração: Isabela Bonet, Felipe Gruetzmacher Gabriela Bonet, Leonardo Mesquita e Matheus Garcia